Por Luiz Fuganti
Esse curso faz parte de um projeto maior, “bem ambicioso” chamado Filosofia na Primeira Idade, que tem uma visão muito diferenciada em relação a educação, a filosofia, a estética, a ética, a memória. São estas as questões que vamos trabalhar aqui.
Educação para Potência é um nome que contrasta com os modos tradicionais que, a meu ver, são todos voltados para uma educação para a obediência. Nossa ideia é desmontar, desconstruir o sentido que se tem de educação. É muito raro ver uma educação que, de fato, se volte para a potência. Existem escolas que trabalham a competência, mas a competência é ainda algo que se refere às disciplinas. Não que a disciplina seja em si algo ruim, mas o uso que se faz dela é que pode ser algo muito nocivo. E a disciplina num sentido moderno, kantiano, tem a ver com certo instante de autoridade ou de autorização. Então você adquire um saber e na medida em que se torna apto a aplicar esse saber, você adquire uma competência e também uma autoridade. A educação está toda fundada neste modelo.
Por mais que se diga que a educação liberta, a nosso ver, esse tipo de educação aprisiona. A educação é uma forma de engajar o desejo, assim como a família e outras instituições, numa forma humana de viver, que a nosso ver, ao longo da vida, vai despotencializando a vida. Então esse curso se insere numa postura crítica em relação aos valores estabelecidos, às nossas práticas humanas em todas as áreas, ao mesmo tempo em que nos insere numa postura criativa. Criar uma linha de fuga afirmativa, uma outra maneira de existir, de agir e de pensar. Essa postura lança um desafio que não é pequeno.
Um dos motivos que nos levou a investir nessa área também é que hoje em dia os homens mais conservadores, os mais moralistas, os mais místicos, os mais de esquerda, ou seja, todo espaço entre deus e o diabo, entre o bem e o mal, todos dizem, unanimemente: a educação é a saída. É de se estranhar essa unanimidade? Não, porque a educação sempre foi uma máquina de fazer com que a vida, de alguma maneira, se conformasse com um modo moral e racional de ser. Muitas vezes vemos estudantes universitários se rebelarem, que a educação está errada, que os currículos enchem linguiça, muita coisa não tem nada a ver com a prática da vida, mas na verdade, se analisarmos, veremos que não está nada errado. Se as sociedades com suas instituições, quisessem, de fato, mudar a educação, já teriam feito. Mas não há este investimento, esse desejo. O desejo é sistematicamente quebrado sempre que ele tenta mudar uma postura, ou inventar outra maneira, ele é quebrado pela máquina de anti produção social, que mais tarde vamos falar.
O que mais a gente vê são professores, coordenadores, diretores, educadores, se queixarem que o ensino está ruim, a rede do estado, do município, da união, etc. E há um investimento de forma quantitativa na educação, assim como na saúde e outra áreas. Nenhuma criança fora da escola. Será que não seria uma sorte uma criança ficar fora desse tipo de escola? Ser incluído neste sistema educacional é bastante complicado, pois é um sistema que está montado numa certa formatação, cujo objetivo nunca é dito. A transmissão de conteúdo, de verdades é secundária em relação a uma operação formal de corte, de separação da vida do que ela pode. É isso que a máquina da educação faz efetivamente. É neste corte que vamos operar o tempo inteiro, de modo crítico e, ao mesmo tempo, fazer do corte uma ponte para uma postura criativa. De que maneira?
Imagina-se que o problema escolar ou educacional é de conteúdo. Tem muitas escolas alternativas que alteram o currículo, ou mudam o conteúdo, mudam até a forma, mas não transmuta a forma, transforma, criando outros sistemas operacionais. Mas antes dessa forma ou conteúdo existe uma operação de separação que é silenciosa, é muda, surda, cega, e opera numa zona de nós mesmos que faz com que a gente se transforme no mesmo lugar, imperceptivelmente, através de uma transformação incorporal, que impede que a gente fale em nome próprio, que experimente realmente, que encontre o imediato do pensamento, do corpo. Essa quebra essencial nos põe demandando por educação, competência, autorização, formação.
Alunos e professores se tornam cúmplices dessa máquina, por mais rebeldes que eles sejam, por mais que queiram criar outras maneiras. Existe um corte mais imperceptível, mais sutil, que vamos trabalhar. Precisamos atingir uma zona virtual do modo de viver. Nessa zona virtual é que ele opera. É uma espécie de superfície de inscrição que se dá tanto no tempo como no movimento. Tanto no pensamento, através da linguagem, como no movimento ou no corpo, através da sensibilidade ou das imagens. Vamos ver qual o regime das imagens e da linguagem onde a coisa opera. A ideia então não é mudar os paradigmas, mas sair dos paradigmas e atingir, de fato, onde interessa que é a produção de um desejo intensivo, de um pensamento afirmativo, de um modo ativo de viver, cuja força dominante é a capacidade de criar a própria condição da experiência.
A única nobreza da conservação seria conservar a capacidade de criar. Na medida em que se mantém colado à capacidade de criar não se demanda referências, sistemas, provedores, providências, tutores. A única referência é o seu modo de vida, que varia a capacidade de se fazer a seleção, a capacidade ética, estética e a capacidade de pensar. O pensamento, estética e ética estão absolutamente interligados, um atravessando o outro, gerando uma condição de sustentabilidade para um devir ativo. Nessa medida ele se torna produtor de memória, que não é mais representação do passado, mas é função de futuro.
Os 5 blocos:
-Experiência do pensamento;
-Experiência do corpo;
-Experiência da seleção;
-Experiência da produção de memória ou de um plano de continuidade para devires ativos auto sustentáveis;
E, por ultimo, a esfera do ensino e do aprendizado para multiplicar esse modo de viver, pois a gente nunca para de aprender e ensinar. Mas a relação ensino-aprendizado em si se torna de outra natureza na medida em que desconstruimos e criamos uma outra atitude em relação ao pensamento, ao corpo, à seleção e à disponibilidade de futuro.
É a reforma do entendimento no sentido de Spinoza. Não é uma reforma, é uma mudança de natureza, sair do regime da imaginação e entrar no campo do entendimento real, que não é uma realidade abstrata. Não existe outra saída, não adianta fazer reforminhas. Não adianta ficar no campo da reforma linguística, estética, moral, se a gente não habita aquela região que chamamos de primeira idade, do imediato. Sempre precisamos de uma mediação. O imediato é aquilo que se encobre por essa mediação. O imediato em si mesmo, vivido diretamente, é sempre visto como ameaçador, como algo imprevisível, que deve ser controlado, que deve ser legitimado, justificado, gerenciado, inscrito num plano de intencionalidade, de verdades, de justiças, de utilidades, de bem.
Você inscreve o imediato neste campo intencional. Ao mesmo tempo funda uma interioridade baseada no senso comum, que se liga a um bom senso, e faz com que o desejo fique prisioneiro de uma memória. Memória enquanto representação de passado, que seria a origem da nossa identidade. Esse desejo se projeta num futuro que jamais se alcança, pois essa produção futura ela é idealizada do ponto de vista da forma. E o que se perde nesse processo todo é justamente o devir, o presente como acontecimento, a dupla dimensão do acontecimento.
Tanto a dimensão presente do acontecimento como a dimensão virtual e inefetuável do acontecimento. Não que o acontecimento vai embora, ele segue acontecendo. O problema é o uso que fazemos dele. A nossa vida segue em acontecimento, mas o devir que nos atravessa é um devir reativo e não ativo.
Como a gente opera o reencontro do imediato em nós? É o essencial desse curso. Como a gente recupera, reconquista, reencontra. A gente já encontrou numa primeira idade de nós mesmos esse imediato. Como se manifesta o imediato em nós? Ele se manifesta pelo tempo próprio que nos constitui e que nos atravessa assim como pelo movimento próprio que constitui o nosso corpo e que o faz variar. O imediato do movimento e o imediato do tempo. Esse duplo imediato que não é dicotômico, é uma dupla multiplicidade, cuja singularidade é uma relação necessária com o fora, com a fronteira de nós mesmos.
É nesse fora, nessa fronteira, nessa superfície de nós mesmos que o poder e o saber se inscrevem. Não há poder que não seja exercido tanto para aquele que transmite uma palavra de ordem, uma determinação extrínseca, quanto para aquele que sofre. Este também exerce poder. Ninguém numa relação de poder é só vítima. A vítima também é cúmplice. A gente quer trazer a dimensão não da culpa, mas da cumplicidade. Porque uma vida separada do que ela pode precisa investir naquilo que supostamente a ligaria novamente com essa potência. Mas como essa relação é extrínseca, essa potencia vira uma relação de poder. Já é uma impotência que precisa de poder.
Mas há um círculo vicioso. Porque a sociedade não muda? Porque ela precisa daquilo que a enfraquece. Pela imaginação você morde o anzol. Como se diz, o peixe morre pela boca. Você vai buscar o alimento fora, o poder, o reconhecimento e aí que você alimenta o buraco, a falta em você. E quanto maior o buraco e a falta, mais necessidade de buscar o objeto fora para preencher. A pessoa fica no campo da imaginação, do simbólico, da estrutura.
Existem sistemas extremamente sofisticados de se operar isso hoje em dia. O estruturalismo é um deles.
Existe em nós, sempre, uma presença que é disponibilizada no mecanismo da atenção, da atualização. Uma parte desse mecanismo é consciente ou não é disponibilizado, mas a presença está lá, algo em nós está. Os modelos geralmente fracassam, principalmente os de esquerda, pois a esquerda é prisioneira da falsa demanda, da inconsciência da qual estão alienados.
Esse modelo da ideologia, da alienação, da consciência, é extremamente falido e sabemos que não teria outro destino porque ele já parte de um resultado, não daquilo que produz. Já parte de uma determinação operada na consciência. A consciência é um dispositivo sempre retardado, sempre chega depois que o mais importante já foi decidido. Algo decide em você e você acredita que foi uma consciência em você que decidiu, mas ela foi determinada a decidir psicologicamente.
Tem uma determinação anterior a essa decisão psicológica. Isso opera no campo do encontro. Por isso precisamos retomar o modo de relação, o modo de encontrar, o modo de acontecer. Porque a determinação se opera no acontecer e produz algo em nós e esse efeito é que se torna consciente em nós. Nós só temos consciência do efeito, mas não entendemos a causa que operou e produziu isso em nós. E pelo efeito, uma vez que a gente não ultrapassa o efeito na consciência, a gente vai precisar imaginar a causa. E aí vai imaginar a causa com o um outro efeito desse algo que se põe no lugar da causa. Então você vai inverter, por o efeito no lugar da causa, explicar de modo invertido.
É um mecanismo que acontece e vários pensadores vão desconstruir esse mecanismo: Epicuro, Lucrécio, os estoicos e, principalmente, Spinoza, Hume, Nietzsche, Bergson, Foucault, Deleuze e Guattari. Spinoza faz isso com muito rigor, com uma plenitude, insere tudo num campo de imanência, e Nietsche também, com uma outra linguagem. Nietzsche chama de imagem invertida e Spinoza de ilusão de consciência. Bergson chama de visão retrospectiva.
A questão é que, mesmo na consciência alienada. existe uma cumplicidade. Algo que deseja em mim tem vantagem nesse modo de viver. É o certo ao contrário. Mas a vantagem o torna ainda mais refém e dependente. Uma sutileza atual extremamente refinada vem de Kant e tem muitos filósofos e educadores que seguem essa linha, que dizem que é importante trazer a filosofia para a escola. Essa filosofia que eles querem trazer para a escola é a filosofia da autonomia. Mas a filosofia da autonomia é aquela que você conquista uma pura forma de ser, que nada mais é que dever ser e, nessa medida você se torna autorizado e autorizador como diz Kant, um legislador, até capaz de inventar leis, a partir dessa pura forma. Você adquire uma competência. Uma autonomia extremamente refinada, onde você não é mais comandado por nenhuma coisa de fora. Como diz Nietzsche, outrora eu tinha deus para nos carregar. Nós como burros de carga carregávamos nos valores divinos. Agora o homem diz: chega de deus, deus morreu, eu mesmo me carrego, não preciso de deus. Essa é a autonomia moderna. Carrega-se os valores morais nos ombros. É o tal do imperativo categórico em Kant. Você não faz uma coisa porque vai obter vantagem, faz por puro desinteresse, por verdade, porque é a maneira superior de ser. É uma maneira desinteressada, faz por pura verdade. Eu amo meu pai porque ele é meu pai. Eu me relaciono com a lei porque a lei é a lei, é universal. Essa é a mentira ainda mais hipócrita. É mais fingida, mais mascarada. É a questão moral de modo superior, não do ponto de vista da religião. Deus morreu. É a lei a serviço do bem. Mas o bem que é resultado da lei. O que importa é a lei, a pura forma de dever ser e o resultado que vai ter daí é uma autorização, uma justificação, uma legitimação. É a nossa sociedade, jurídica, legal, legalista, dos direitos humanos, da cultura da paz. E aí tem muitas instituições que investem nisso, numa ficção no que é violência. Uma visão mascarada da violência real. Essa cultura da paz é totalmente hipócrita em grande parte, uma paz que é uma rendição das forças mais interessantes do homem. Uma espécie de deposição de armas. Vamos nos desarmar todos. Mas que armas que se tem? São armas bizarras, nesse sentido é bom desarmar-se , mas não para ficar desarmado e sim pegar autênticas armas. Armas que combatem tudo que vive das paixões tristes. Armas que produzam uma máquina de guerra em relação a tudo que precisa se combatido, da miséria, da tristeza, do enfraquecimento, da opressão, da apropriação para viver e fundar o seu poder. Aí sim, esse tipo de arma a gente precisa construir. Não depor as armas ou achar que pelo convencimento racional vai se chegar a alguma coisa. Primeiro precisa ver que tipo de razão é essa. Existem vários tipos de razões que são sempre postas em um campo de forças. Não existe uma racionalidade verdadeira. Todas são verdadeiras ou todas são falsas. Você tem a racionalidade que merece, assim como a vida e a sociedade, depende do uso que faz dela, o que motiva, qual o motor dessa racionalidade, o que ela objetiva, como ela funciona.
Mas nosso argumento essencial é reencontrar o imediato do movimento e do tempo, pois já o encontramos alguma vez, já foi presente em nós de modo dominante. Não que ele não está mais aí. Ele está, mas não de modo dominante. Ao contrário, o que é dominante em nós é uma mediação. Essa inversão que precisamos operar, essa desconstrução, sob o ponto de vista crítico e um cultivo sob o ponto de vista criativo para que essa dimensão se torne dominante em nós e auto sustentável. Esse é o desafio.
A primeira esfera que nomeamos experiência do pensamento ou filosofia na primeira idade pode dar um panorama na medida em que a gente vai explicitar a palavra experiência, que não é uma palavra, mas um conceito. O que é experimentar? O que é pensar? O que é filosofia? O que é primeira idade? Na medida em que vou desconstruindo isso vamos também entender o que é a experiência do corpo, ou a estética na primeira idade. Vai, ao invés de situar o pensamento onde se colocou, em vez de situar a filosofia a gente situa a estética.
Vamos agora desdobrar a experiência, a ideia do imediato do pensamento, que é a primeira idade que se refere ao pensamento, ao corpo e depois aos modos de escolha. Em seguida temos a experiência da escolha ou do modo de fazer a diferença na vida ou de criar uma superfície seletiva, que não é nem do ponto de vista do imediato, que vamos chamar de ética, que entra em contraste com a moral, o modo moral e racional de decidir. Existe uma zona que decide em nós, uma zona imediata, que faz a diferença, que não tem nada a ver com a consciência, ainda que ela se apresente. Primeira idade se refere ao que falei de imediato. Faremos também uma diferenciação conceitual entre primeira idade e primeiridade.
Primeira idade é o encontro com o imediato. O imediato acontece em mim, tanto do ponto de vista do corpo, quanto do pensamento, quanto da capacidade seletiva. Eu faço parte do imediato e o imediato faz parte de mim, eu sou parte disso.
A primeiridade é algo mais adiante, é uma conquista da capacidade de manter esse imediato como comandante na minha vida, é tomar parte do imediato. Ser capaz de conduzir o próprio destino e criar a si mesmo. Estilizar a existência. Criar corpo, pensamento, desejo, capacidade seletiva.
Na esfera da memória a mesma coisa vai se operar. Vai haver uma experiência do tempo ou do registro do tempo ou da condução de registro do tempo imediato. Nessa medida, no tempo que se conserva ou que se apreende a si mesmo e se redispõe em direção ao futuro. Isso que diz respeito à produção de memória de futuro ou produção de pontes, ou plano de continuidade para um devir ativo ou intenso, auto sustentável. Fazer de si um moto continuo. Nós, de alguma maneira, somos moto continuo. Aquilo que Varela chama de auto poresi. Auto fabricação de si, de modo ativo, afirmativo, sem ser determinado de fora. O fora como excitante e aliado, e não como opressor, determinante ou algo que submete a vida a alguma autuação. Esse imediato na produção e disponibilização do tempo e da memória é um outro tipo de experiência. Cada esfera é uma esfera distinta de experimentação. São cinco: A do pensamento, do corpo, da seleção, da continuidade ou da duração que produz memória de futuro, e a última que é esse encontro com o imediato no ensino aprendizado, enquanto a experimentação te põe em contato com o próprio imediato do movimento e do tempo. O que o tempo e o movimento apreendido de modo imediato, transmite, ensina, cria, aprende, apreende. Como se dá esse processo? E como a partir desse processo há então uma capacidade de multiplicação? De vontade de expansão.
Experiência do pensamento ou filosofia na primeira idade
O que é experiência? O que é experimentar para nós? Para nós, geralmente é se apropriar de algo, saber usar, ter uma disponibilização à medida que aumentamos o contato com o objeto em experiência.
A gente vai experimentar porque acha que vai se enriquecer. Experimentar é motivado pela promessa de enriquecimento. A gente geralmente copia, porque saltamos uma etapa. Saltamos, pois a própria experimentação é sabotada. Há uma dimensão imperceptível que sabota a experimentação e o que se coloca no seu lugar é o consumo. Nós consumimos imagens, sensibilidades, sentimentos, sensações, afetos, sempre do ponto de vista de uma imagem. Os afetos sobre a imagem são paixões e sofrimentos, no melhor dos casos, é o que consumimos. Muitas imagens, muitos signos, discursos, muitas palavras, muita instrução, muita formação. No lugar da experiência se é disponibilizado uma capacidade de consumir. É por isso que o sistema não te exclui ou descarta. Ele não pode, ele precisa de você, como um consumidor e, ao mesmo tempo, como um produtor. Essa dimensão da experimentação é a dimensão do consumo. Então o que se passa é que em vez de você se conectar com a fonte real que sustenta a capacidade aberta de experimentar, realmente, o inédito, o imediato, o novo, você é condicionado na experimentação a investir num certo padrão, numa certa referência, num elemento que legitimaria uma experiência tolerável. Admissível socialmente, politicamente, moralmente, economicamente, racionalmente, religiosamente. Isso para o seu próprio bem, senão você vai ser esmagado. Há um corrente de transmissão de covardia. Carta ao Pai, de Kafka, é isso: meu pai, você baixou a cabeça, você quer que eu baixe também? Eu te perdôo por você ser covarde, mas não queira que eu seja também. Porque queres que eu baixa a cabeça? Para o meu bem? E a forma mais hipócrita de baixar a cabeça é levantar com autoridade. Aquele que tem a cabeça em pé, sustentada pela autoridade, esse já baixou, perdeu a cabeça. Pôs o rosto, que é um incorporal, no lugar da cabeça, que é o corpo. Em nome da autoridade você pratica o autoritarismo. É por isso que a forma esconde uma violência e um terrorismo. Não adianta dizer que a forma é democrática. Por mais democrática e pulverizada que seja, a forma é micro fascista. Assim como todo poder. Não adianta dizer: Ah, o poder é dos brancos, vamos dar para os negros, índios, mulheres e crianças, pois só o adulto macho tem. Não adianta pulverizar o poder, ou a forma da decisão, numa democracia que todo mundo tem o direito de dar a sua opinião, seu voto, a seu isso ou aquilo. Você já é refém de uma instância que autoriza. Aqui se esconde o elemento inconfessável. O conteúdo é sempre um diagrama de forças. A forma está articulada, mas é uma forma vazia, que não se sustenta sem o conteúdo, que são forças dominantes. Em nome do bem se invade o Iraque, o Afeganistão, faz as piores coisas. Assim é a lei. Dizem sempre que só ganha quem tem mais dinheiro. Nenhuma lei tem uma interpretação verdadeira em si mesma. Toda lei depende da força que a está interpretando. Há um interpretante atrás do elemento a ser interpretado. E esse interpretante é força, não é forma, não é formal. Essa é a enganação, a hipocrisia.
O que a gente chama de experimentar é, geralmente, consumir referências, autorizações, reconhecimentos. A gente geralmente consome aquilo que, justamente, nos devolve poder, e não potência. A gente consome para se enriquecer. A gente experimenta para se enriquecer. Mas se a experiência é fraudada, inviabilizada, e no seu lugar é posto uma relação de consumo de imagens, de signos, de discursos, de sentimentos, de instruções de formações, de objetos de prazer, o que se passa, efetivamente, é que vou me entupindo no corpo, no pensamento e na vida. O que era para ser um elemento enriquecedor através da experiência, tornou-se um elemento mortificador. Seguimos nessa relação, pois a morte é lenta, em vida. E, ao mesmo tempo, esse elemento nos dá uma ilusão de satisfação. Mas sabemos que no fundo a insatisfação e a frustração crescem. E quanto mais insatisfação e mais frustração mais necessidade de “enriquecer” com o consumo. Mais objetos de consumo.
Não há investimento do desejo ou submissão do desejo que não tenha uma cumplicidade do próprio desejo. Então, o primeiro reencontro que precisamos operar em nós, a lição que temos que fazer no corpo, que é a nossa casa, é cultivar a capacidade de experimentar realmente. Aprender isso, praticar isso. Um investimento de uma capacidade receptiva, que Spinoza chama de potência de ser afetado, que não é uma passividade, é uma potência em ato, não uma mera paixão. É uma potencia que se cultiva, que a gente desdobra, desenvolve. Implica numa abertura tal, que aquilo que se passa na relação da vida com o que envolve a vida não tem atravessador, não tem intermediário, é uma relação direta. Aí se dá uma experimentação. A capacidade receptiva precisa ser investida e ao mesmo tempo produzida em nós. Precisamos nos preparar para sermos capazes de experimentar. Somos também cúmplices dessa falsificação da experimentação, que põe o consumo no lugar da experimentação, que é um falso enriquecimento, na verdade, é uma mortificação de nós mesmos, que estimula em nós, não uma dança, mas um espírito de gravidade, de pesadume. Ficamos cada vez mais pesados quanto mais consomimos. Ao invés de nos enriquecermos, no sentido de ficar dinâmico, leve, veloz, potente, a gente enriquece no sentido que vai se entupindo, cada vez mais sedentário, mais ancorado, mais tristes. Esse investimento na capacidade receptiva, essa produção implica em acessar uma espécie de crítica. Precisamos aprender a dizer não para aquilo que se quer por no meio, aquele atravessador da nossa experimentação direta. O modo como nos relacionamos com a imagem que se produz na relação, é ela que acaba entupindo os poros do corpo, que acaba segmentarizando os movimentos, criando uma cadeia de ações e paixões que vai organizando nosso corpo e nosso movimento. A gente vai criando poses, etiquetas, posturas, maneiras de se movimentar, a gente cria cidade, arquitetura, as nossas caixas, nossas gaiolas, nosso movimento ordenado, coordenado, organizado. Isso tudo se dá pelo campo da imagem ou da sensibilidade. Isso que vai entupindo nossa capacidade de experimentar no corpo ou de acessar o imediato do movimento que se engendra em si mesmo e não o movimento que, separado dele mesmo, se pendura numa referência, para aderir a uma cadeia social de organização corpórea, um regime de luz ou de corpo, que disponibiliza o corpo e até retribui muitos prazeres que ficam aderido para que esse corpo agüente o tranco do dia a dia. Outra maneira de inviabilizar a experiência é por o signo ou a palavra no lugar do pensamento. É como se tivesse uma dimensão de nós mesmos que fica comentando o que vamos fazer, agora estou fazendo isso, agora isso outro, fica mediando o acontecimento com essa consciência e isso é operado, na verdade, no campo da linguagem, no uso que faz da própria linguagem. Põe a linguagem no lugar do pensar. O pensamento é silencioso, mas a gente acha que ele é tagarela. Para cada coisa bem vulgar, existe os refinamentos máximos, bem elevados, filosofias, ciências extremamente refinadas.
O signo no tempo, esse é outro atravessador, outro mediador. Esses mesmos elementos são usados pelo poder para nos separar do que podemos e para nos religar a ele, investir nele. Da mesma maneira que há um entupimento da nossa capacidade receptiva quando o estado de corpo, ou pensamento ou o estado do desejo ou da potência ocupa o lugar do acontecimento. O acontecimento é primeiro. O acontecimento é a pura capacidade de variar, virtualmente. Virtualmente, somos pura variação e atualizamos essa capacidade de variar na medida que nossa potência, nossa presença, freqüenta a fronteira dela mesma, numa relação com o que há em volta, enquanto potência e não enquanto estado de potência. Mas a potência que encontra sempre produz algo e esse algo enquanto produto pode se instalar e falsificar, produzir uma inversão. À medida que é apenas um estado, ocupar o lugar da própria potência, da própria essência ou do que nós somos inteiramente, é uma parcialização de nós mesmos que se põe no lugar do nosso desejo ou potência plenas. É claro que ele está investido de potência, mas uma potência separada da capacidade de acontecer diretamente, porque ela é mediada no acontecimento por esse estado. Isso é o que Nietzsche chama de ressentimento, mas a maneira como ele explica isso é bem sui generis. Spinoza chama de dupla ilusão do livre arbítrio, como causa primeira de si mesma, o desejo começa em mim e como ilusão de causas finais ou a ilusão da intencionalidade que a natureza opera em nós, agimos por vista de um fim, são duas ilusões, que fazem com a gente perca a capacidade ética, seletiva real porque, como diz Nietzsche, só retorna o que afirma plenamente, o que afirma inteiramente o acontecimento. O próprio acontecimento como afirmação da diferença que produz uma diferenciação ou uma singularização, faz essa mesma diferença diferenciante, diferencial, diferenciar novamente. Faz o retorno dela. O retorno da diferença, não o retorno do mesmo. Isso é uma capacidade seletiva, só retorna a diferença que afirma plenamente a si mesma. Essa capacidade seletiva, nós a perdemos quando colocamos o estado de desejo no lugar do acontecimento. Aí o retorno que acontece é o retorno de estados, de permanências, de paradas, de repousos, de identificações, de fixações, de unificações, de totalizações e a gente vai relacionar mais com o ser, e o devir vai ser apenas uma função desse ser. (Na verdade, o ser deve ser filho do devir. No fundo de tudo só tem devir, só tem variação. Aquilo que já dizia Bérgson, a única substância é a mudança. Ou a substância de Spinoza que é a potência absoluta de acontecer, de variar a si mesma, de produzir a si mesmo e a todas as coisas.) Isso inviabiliza nossa capacidade ética e vai fazer com a gente se relacione a uma demanda moral. A gente vai precisar criar uma referência para se constituir como critério de escolha, que nos afasta do mal e nos liga ao bem, que nos afasta do nocivo e nos liga ao útil, que nos afasta da injustiça e nos liga a uma máquina de justiça, que nos afasta do erro, do engano e da falsificação e nos liga a uma verdade. Então a gente se torna verídico, veraz, bom, justo e útil. Os quatro valores cultivados do homem fraco que com eles a gente mascara a impotência e a fraqueza de que são constituídos. O individuo acredita numa justiça que deveria chamar vingança, que ele é impotente para realizar e demanda, que um estado faça por ele, ele demanda a lei. Policia para quem precisa de policia.
Aqui então existe um terceiro elemento critico que é a ética, encoberta pela moral, que faz com que o estado de corpo se confunda com a essência, e esse estado de desejo ou de potência (tanto ao corpo como ao pensamento) que ocupa o lugar da própria potência, que não tem forma a priori. A potência é uma potência em ato e o ato é o acontecimento que a envolve, então não tem forma para ele. O acontecimento é aberto, é uma linha de devir. É o próprio estado de potência que me põe em uma relação de impotência comigo mesmo, eu me separado capacidade de acontecer, porque este estado vira mediador do acontecimento e esse mesmo estado de impotência que faz a leitura do real. E essa leitura vai ser sempre vista de uma forma fixa que já me constitui. Então eu só vou ver e avaliar coisas fixas. Kierkeegard faz um movimento oposto: vejo somente os movimentos, mas nós, ocidentais e mesmos os orientais, vemos apenas paradas e repousos, o que chamamos de ser. Ver somente movimentos já é investir numa capacidade receptiva do reencontro com o imediato. A gente acredita que o devir é inapreensível, não pode ser objeto de conhecimento, nem sujeito do pensamento, porque nós mesmos já entregamos o nosso desejo e a nossa potência à um estado de
desejo, de potência. Esse estado é justamente o testemunho da nossa incapacidade de nos pormos novamente em devir, em acontecimento, em devir ativo ou acontecimento afirmativo da própria potencia que se relaciona. Entramos num devir reativo porque o estado de desejo passa ser mediador do acontecimento e o acontecimento evidentemente jamais para de acontecer, só que o que é dominante em nós não é o acontecimento enquanto acontece, mas é o estado que sobrevoa o acontecimento. Isso que é a condição da moral. Geralmente nem se localiza o problema nessa região, pois se trata de uma coisa abstrata, onde menos se pensa que está o problema. Nem se localiza essa região. É um nada. O que é esse relacional, essa superfície, esse acontecimento? Precisamos apreender a realidade disso que não tem existência, mas não é por isso que não é real. O real não se reduz a existência, ele é também virtual. O virtual não existe, mas é real. Há uma natureza naturante que não se apresenta como existência. O que se apresenta como existência é a natureza naturada. Mas a “existência” da natureza naturante é um outro tipo de realidade que nem mereceria o mesmo nome de existência para não confundir mesmo, mas é uma realidade. Nessa zona de realidade que se passa os entupimentos e as capturas, tanto do ponto de vista do movimento, do corpo, das imagens, quanto do ponto de vista do pensamento com signos, e também do ponto de vista da capacidade seletiva com estados de corpo, de mente e objetos fora de mim, da mesma maneira, ou seja, o campo da imaginação. Aquilo que Spinoza chama de primeiro gênero do conhecimento. Esse campo da imaginação é dominante em nós e a consciência será a nossa potência reduzida a esse estado de corpo, de mente, de decisão. O que decide em nós? O estado? O que pensa em nós? È um sujeito chamado estado mental? O que age em nós? É um individuo chamado estado corporal? Nós achamos que existe uma instancia em nós que move o corpo e que recebe o movimento, na verdade é um estado de corpo. Que há uma instância em nós que pensa, um sujeito de pensamento. Na verdade é um estado da captura do pensamento em nós, que chamamos de alma ou sujeito, que ninguém admite não existir. A questão do estado de escolha que habita a zona de indeterminação do acontecimento, simplesmente como uma zona primitiva ou entupida pelo campo de possibilidade, que nada mais é que essa retroprojeção do que já foi vivido, só que reprojetado no futuro, de modo melhorado, de modo moral. Eu vivi assim, mas podia ser melhor ou eu vivi essa merda e isso tem que ser eliminado. Tem um campo do possível mal que vou evitar, afastar, destruir e um possível bom que eu vou investir, vou trazer para o presente. Então esse estado de escolha seria evitar o mal e seguir o bem, evitar o engano e seguir a verdade, evitar a injustiça e seguir a justiça. Dicotomiza a escolha supostamente alojada na existência da consciência. É uma maneira de entupir a capacidade seletiva.
A extração em tudo, seja do passado, do presente, ou de uma ideia inédita, algo que seja seu próprio elemento afirmativo. Esse elemento afirmativo da ideia, ou da memória ou de uma instância incorporal é uma maneira de acontecer da própria potência, que põe isso no horizonte do meu futuro. O que me dá direito ao futuro? O que me disponibiliza o futuro ou a continuação de mim mesmo? É uma espécie de liga, de ponte, que é uma passagem de um aumento de potência. Um acontecimento que é o crescer da potência que está antes da própria potência que vai crescer. Então esse crescer da potência, que Nietzsche chama de vontade de potência, que determina a escolha do ponto de vista afirmativo e ativo, determina a seleção e a produção de memória de futuro, é o que faz crescer. Isso é o que comanda em nós e é o que captura em nós porque também investimos no poder, no consumo, na imagem, no signo, no espelho, pois aparentemente isso nos dá direito ao futuro, a se manter ligado, consumindo e se enriquecendo, só que dependendo de uma instância exterior a si mesmo. Então essa vontade de potência vira vontade de poder, você vira refém de uma referência. É um modo de se capturar a decisão e a escolha. Inverte. Aí a moral e essa racionalidade, que pressupõe esse sujeito moral, entram com tudo.
As tribos e as sociedades primitivas tem os seus anciãos, os seus espíritos que estão mortos, mas que na verdade não estão, estão inteiramente vivos em outro plano, o virtual. Quando uma sociedade dessas adoece, o xamã, ou feiticeiro ou curandeiro vai diagnosticar e geralmente ele diagnostica que ouve um desinvestimento, um esquecimento, uma ausência de uma maneira de ser e acontecer que era vital para aquela sociedade. Um espírito de um antepassado nada mais é que uma maneira de ser que ultrapassa o indivíduo enquanto indivíduo. Uma maneira de ser sem a qual a sociedade fica mais fraca, adoece. Você aprende com o passado naquilo que o passado tem de futuro, de liberador da situação presente. O passado te põe em relação com o sentido em que ultrapassa uma certa coação presente, um certo deslocamento, uma certa obstrução, uma certa fixação. O passado é uma ponte, é o próprio futuro que desterritorializa o presente das suas amarras e extratificações.
Esse aprendizado da tradição que o Foucault vai fazer em relação a história. Ele vai captar o inédito de cada acontecimento para depois entender a condição dos fatos. Os fatos são o modo como as forças dominantes interpretam o acontecimento. Mas antes de ele ficar reduzido a isso ele vai direto às condições do acontecimento, àquela maneira de ser. A maneira de ser traz consigo a capacidade de se repetir, é uma singularidade que por repetição pode, ou não, virar uma espécie de valor universal. Se ela for de fato uma emergência, uma maneira de ser afirmativa da vida, ela se torna uma potência de diferenciação, de singularização e não cai na ilusão do universal.
É uma ideia do Bérgson. Nietzsche também fala em memória de futuro, com outras palavras. Em função do futuro, uma representação do passado. Bérgson, ao contrário de Hegel, (que dizia que o passado foi e o futuro vai ser), diz: o passado é, de maneira contemporânea do presente, junto com o seu presente se traz todo o seu passado, por mais que ele não esteja ativo, mas há uma pressão virtual dele, pontas dele que se reatualizam, se diferenciam, se tornam outra coisa nesse presente. Há uma coexistência do passado com o presente. Passado e presente não tem apenas uma relação de sucessão, e se tiver, não é a principal. A principal é a coexistência. Nessa mesma medida eu também posso dizer que o futuro é. De modo virtual. Atualmente temos devir. O futuro é ser, o passado é ser e o presente é devir. O presente é um movimento. Geralmente a gente se relaciona com o passado de modo representado. A gente tem memórias de marcas que foi, do que está marcado, estigmatizado e o retorno dessas marcas que acaba repetindo, copiando, inviabilizando o inédito no presente. O presente é radicalmente inédito, é impossível que não haja o inédito, estamos sempre no inédito. O dejavú é ilusão. A gente perde o inédito porque o nosso passado já nos fixa em várias posições que faz com que a gente represente esse virtual. No lugar dele coloca uma memória formal ou figurativa e com essa memória achamos que temos direito ao futuro. Porque essa mesma memória que a gente projeta de maneira idealizada no nosso futuro. Fica o campo do possível no futuro e perde o virtual que é na verdade a potência de criar possíveis. O possível tem que ser criado. E não se submeter ao possível que é a idealização do que já foi vivido. Ah, isso não é possível porque nunca existiu! De que maneira o novo é possível? O novo jamais seria possível?
Nós usamos o termo vontade aqui no sentido de Nietzsche, como vontade de potência. Não como Schopenhauer, nem como Kant, nem Hegel, ou como na psicanálise. Não é uma vontade psicológica, não tem uma unidade psíquica, nem psicológica, nem física, nem ideal. A vontade é o querer da força. É o relacional de toda a realidade em relação. Não existe realidade que não esteja em relação. É como diz Spinoza, tudo é em modo, ou potência de modificar ou ser modificado. Tudo é essa potência. Para que se modifique é preciso estar em relação, é necessário haver um ser da relação, que é esse relacional. Esse relacional podemos chamar de vontade. Vontade não tem unidade subjetiva, nem substrato. A unidade subjetiva é a condição de julgamento, é a condição de representação, do poder. O poder que precisa representar e julgar. Para haver julgamento é preciso nivelar, unificar os desejos e por tudo de um ponto de vista do senso comum. O desejo de um tipo ativo seria o mesmo que o desejo de um tipo reativo para esse tipo de pensamento. Nessa medida, se um ativo faz maldades ele pode ser julgado. Se o reativo, que é impotente, não faz, ele pode dizer que não faz porque ele é bom e não porque ele é impotente. Ele poderia fazer, mas na verdade ele não pode. Essa é uma maneira de falsificar o real, de se desqualificar a vida, pressupõe uma base, um substrato comum chamado vontade. Não é dessa vontade que estamos falando aqui. Quando falamos dessa vontade, essa vontade como livre arbítrio, aí a gente desconstroi. Pode se usar o termo vontade, mas para que você apreenda a dimensão virtual do atual, que antes de ser uma forma seria uma força. O atual é uma força. O querer da força é o virtual da força, que é uma potência. Potência e força são nuances, são distinções, não se usa no mesmo sentido.
Sobre essa maneira de ver o tempo, Renato Russo intuiu isso na música: Quem me dera eu pudesse entender que o passado ainda está por vir e o futuro não é mais como era antigamente. Às vezes alguém qualquer produz um enunciado novo. O que pensa em alguém? Não é o fulano instruído ou o cientista, o filósofo ou o artista. É algo que pensa em nós. Aí se encontra o imediato do tempo. Ele faz com que você veja essa dimensão.
Até agora estamos vendo apenas um conceito, que é a experimentação. Não chegamos ainda no que é pensar.
E ainda estamos falando da experimentação do ponto de vista receptivo, mas ainda há a tomada de posição nesse processo de experimentação, que é uma atitude ativa. Não que a outra não seja ativa também. A outra é receptiva, ela instala uma relação com a fonte do movimento e do tempo, te põe em contato direto com o acontecimento e por isso dispensa um provedor, você não precisa do poder, de uma condição instituída para experimentar. Não precisa de nenhum artifício ou artefato social, econômico, político. Como diz Fernando Pessoa, ser milionário das sensações. Até o mais reles dos mendigos pode se conectar com essa capacidade receptiva, com a própria fonte do real que está bem diante de nós. Na nossa fronteira nós tocamos essa fonte, na fronteira de nós mesmos. Ela não está em outro mundo, numa profundidade, num inconsciente, em algum lugar do eu profundo e encoberto. Ela está bem na superfície. Precisamos fazer do nosso ser uma passagem. Justamente o contrário da práticas espíritas, passes de energia para nos potencializarmos, se tornar a passagem.
Experimentação implica não em consumo. O que a gente chama de consumo é, geralmente, consumo de coisas mortas ou o que institui em nos a morte lenta, a morte em vida. Experimentar é modificar-se. A modificação não é uma transformação, não é uma mudança de forma, nem uma transfiguração, uma mudança de figura. Não é no plano formal que a gente se modifica, nem no figurativo, nem da imagem, nem do signo. Mas se modifica no limiar do próprio desejo, no modo de desejar. A gente se transmuta e não se transforma. A modificação só é verdadeira se existe transmutação. Experimentar, modificar e transmutar. Para experimentação é preciso de transmutação ou produção de si. Isso é real, não é uma metáfora, não é uma sublimação, uma purgação, uma purificação, uma idealização, uma metonímia. É um processo real de modificação de si. Quando se apreende esse processo? Quando se atinge uma posição de ser onde se atinge uma zona da multiplicidade que te constitui, que é irreversível. Não é que não pode mais voltar no tempo. Você redispõe a capacidade de jogar, mas essa capacidade transmutada. Essa transmutação não dá para por debaixo do tapete ou fazer com que não existiu. Ela já altera em você, já é coadjuvante e co-autora em você do seu novo devir. Experimentar implica uma modificação real, uma transmutação que se dá simultaneamente no corpo e no pensamento. Depois vamos ver o que é pensar e entender o que é experiência no pensamento. Daí conseguiremos entender de modo sutil e mais refinado o que é primeira idade do pensamento e depois a primeiridade do pensamento. Começaremos a conceitualizar e investir no aspecto crítico que destrói aquilo que entope, que media e invialibiza a relação com o imediato do pensamento, a relação do tempo enquanto tempo. O próprio tempo como sujeito. E ao mesmo tempo apreende o elemento afirmativo do pensamento que é o seu principio criativo. O pensamento só cria pela afirmação. Podemos então chamar de vontade a própria afirmação. A ideia tem vontade que é a afirmação da ideia. Ela não é neutra, ela tem uma tendência, é também uma força, é uma direção, um sentido e uma potência, uma diferenciação que pode algo. Pode modificar e ser modificada. A própria ideia está em devir.
Não há criação sem natureza naturante. A natureza naturante é o principio da criação, não só de tudo, mas da criação em si. É uma realidade que se auto instaura, é auto gerativa (Spinoza chama de deus), que está na natureza, que é idêntica a natureza, só que a dimensão naturante da natureza. Tem uma dimensão que é naturada. A natureza tem uma dupla dimensão: a naturante que fabrica a ela mesma e a tudo que é naturado. Ela se fabrica como natureza naturante e fabrica a própria natureza naturada. Não há criação sem natureza naturante. Spinoza não gosta deste termo criação, pois ele está associado ao cristianismo, ao judaísmo, as religiões monoteístas que instaura um deus criador do universo, do mundo e das coisas. Spinoza usa o termo produção. Mas podemos usar o termo criação nesse sentido mítico. Nietzsche só usa criação.
O pensamento é intuição, mas não uma intuição vaga, uma intuição rigorosissíma. Uma presença de uma potência diferencial que cria um caminho, uma direção, um vetor. È isso que queremos acessar. Acessar não o que já está pronto, mas a capacidade de produzir essa dimensão. Como diz Nietzsche: Real? Invente ele. A gente produz, fabrica o real. Somos meios, instrumentos de fabricação de eternidade. A eternidade nos atravessa. E através de nós ela produz a si mesma. Podemos aproveitar ou desperdiçar isso. E se desperdiçarmos não haverá um inferno para nos punir por isso. É aqui e agora que jogamos a vida pelo ralo. Tem gente que se conforma e encontra jeitos de se consolar, de suportar essa miséria existencial, com pequenos prazeres, seduções. O capitalismo virou mestre nisso, em oferecer seduções.
Experimentar não é se enriquecer com a diversidade casual ou com o caos. Não é um enriquecer que vai satisfazer, preencher e desenvolver a forma que já estava pronta em mim. Aí não estou mudando coisa alguma. Estou apenas usando a experiência para reforçar ainda mais as fixações que já me constituem. A experiência vira testemunha, um elemento de confirmação daquilo que eu já afirmava previamente. Os meus preconceitos são reforçados. Isso é o que devemos desconstruir no que chamamos de experimentação. Ao invés de reforçar o que eu já sou, de melhorar o que já sou, ou desdobrar e desenvolver um suposto eu, um suposto sujeito ou indivíduo, me levando a me encontrar cada vez mais comigo mesmo, a me conhecer, a conhecer o profundo eu, a experimentação deve fazer justamente o contrário. Eu me torno cada vez mais afastado de mim mesmo, diferente de mim mesmo. Tem uma diferença em mim para ser diferenciada. A experimentação vira uma ocasião de transmutação, de diferenciação de si. Quanto mais eu me diferencio mais eu me multiplico, mais eu crio elementos heterogêneos, uma multiplicidade que me constitui. Esse elementos heterogêneos são co-autores, são aliados, são forças do fora selecionadas, dobradas, gerando um dentro capaz de dispor do futuro. A experimentação vira esse motor ou plataforma de lançamento para o futuro. E não simplesmente uma coisa casual, um acidente, um caos que existe por aí que dá uma enriquecida na ordem representativa e formal que me constitui. É justo o contrário. Experimentação tem um gosto real pela diferenciação, que não faz de conta.
Ser ou não ser? Devenha. De modo afirmativo. Heideger: ser no mundo. Não. Devenha no mundo. O ser não é o primeiro. O acontecer que vem primeiro. A não ser que se chame ser o acontecer. Acontecer é produzir realidade e se produzir. Isso é que é entrar em devir. Tem uma potência em variação, na experimentação você de fato se põe em variação real e não uma variação de uma constante que você é. Há uma pura variação de você, que varia e produz afetos ou intensidade ativas em você. Essas dobras de força que criam um plano de consistência em você, e não um sujeito. Crescer numa continuidade imanente do movimento que engendra o próprio movimento, do tempo que engendra tempos. E não ter um tempo homogêneo e fragmentar esse tempo homogêneo e distribuir ele pra lá e pra cá, e da mesma maneira o espaço. Elementos que ocupam um espaço aqui e ali, todo esse esquadrinhamento exterior. O esquadrinhamento exterior é superado quando você atinge essa dimensão imanente que engendra o próprio movimento e o próprio tempo, fabrica espaço e tempo. Não temos mais espaços e tempo prontos e homogêneos para ocupar ou pra ter. Nós inventamos o próprio tempo e o próprio espaço, a gente cria lugar na potência, em acontecimento. A potência em acontecimento, em ato, ela é primeira e a experimentação acontece quando eu habito a zona do acontecer. Quando algo em mim se confunde com o próprio acontecer. Quando o acontecimento passa a desejar em mim. O acontecimento antes de acontecer já é o desejo em mim. Mas o acontecimento não tem forma. Esse desejo não tem intencionalidade, não quer chegar numa forma ou numa figura, ele é potência de variar. Essa potência de variar é o começo do desejo. Onde o desejo começa? No eu? No sujeito? Não. Ele começa na fronteira, na superfície, no horizonte de mim mesmo. Arnaldo Antunes diz: o desejo é o começo do corpo. Ele começa no acontecimento e o acontecimento é o começo do corpo, do pensamento, é o começo de tudo. O começo, o fim e o meio. Na verdade, é o meio, o começo e o fim são resultantes. Objeto e sujeito são produtos. Os seres são produtos do devir. O eu e o outro são efeitos de um outrem ou de um entre. É essa zona que Spinoza chama de ser comum, onde se dá a identidade ou mesmo. O único mesmo que é real é o mesmo como afirmação da diferença. É o mesmo ser que se diz de todas as diferenças. Esse ser se chama afirmação. Afirmação das diferenças. Uma afirmação da diferença faz a diferença se diferenciar. Essa mesma afirmação de uma outra diferença faz a diferença se diferenciar de outra maneira. Não vai haver nunca uma igualização, uma identificação. O único igual, o único mesmo, a única identidade é a própria afirmação que se diz imediatamente da diferença. É por isso que é impossível haver um igual, a identidade, o equilíbrio. No máximo elas são simulacros, como zonas comuns. Por exemplo, um devir animal, um devir criança, o devir orquídea da abelha, ou devir abelha da orquídea. Que zona é essa que elas se encontram? É a mesma? É idêntica? É semelhante? Não, a semelhança e a identidade são apenas simuladas. É uma zona de indeterminação, de acontecimento, é um platô de variação. É aquilo que te põe em devir de alguma maneira. Não é um conceito, é uma zona, uma região, um limiar, uma espécie de grau do horizonte, um horizonte móvel. Tem o horizonte movente que é aquilo que separa o dentro do fora, mas que é, simultaneamente, uma fronteira que está dentro e fora. É esse horizonte movente que é essa zona que poderíamos dizer que é idêntica, que é semelhante, que é comum, mas esse idêntico ou semelhante apenas simulado é, na verdade, a necessidade de cada relação. É o relacional de cada relação. É a base ou o ser de cada relação. Na medida em que eu toco isso, eu toco o imediato tanto do tempo quanto do movimento. Isso que vamos cultivar, aproximar, desconstruir o que impede isso. Investir e criar pontes para chegar nisso e se relacionar de modo imediato com isso. Isso é um modo de vida. Por isso precisamos cultivar, tanto do ponto de vista do corpo como da sensibilidade, na musica, no cinema, na literatura, o que for que atravessa o corpo, como aquilo que alimenta o espírito (como sinônimo de tempo), ou a mente ou o pensamento. Esse cultivo implica também um outro uso da linguagem.
Experimentar não é consumir. Experimentar é modificar-se, não é um faz de conta. Você age e sente de maneira diferente quando há uma modificação. Você se torna diferente de você mesmo. Isso é essencial, pois faz você ter um gosto real pelo acontecimento e pela diferença e não um “tolerar” o acontecimento e a diferença. Os politicamente corretos toleram a diferença, eles não fazem a diferença. Eles, ou algo em nós, certas instâncias em nós, só toleram a diferença. E toleram porque tem vantagens na tolerância. Quanto mais se tolera, é civilizado, é racional, calcula, espera, não avança, em tudo tem a ordem, o tempo, seu jeito, mais vantagens você vai ter. Você é recompensado socialmente. Você é educado, amável, civilizado, respeitoso, respeitável, autorizador, autorizável. Entra naquele campo de legitimação instituído. Esse ponto essencial da experimentação de todas as atmosferas, do pensamento, do corpo, da seleção, da produção de memória, de oportunidade, da instrumentação do aprendizado e do ensino tem essa dimensão de uma modificação real que faz com você se torne diferente de você mesmo e não simplesmente mude de roupa, de casca. De fato, outra coisa que deseja em você, que pensa em você, que age em você, a cada diferenciação, a cada modificação. Aquilo que Bérgson chama de diferença da natureza. Há uma continuidade em nós, que só se divide mudando de natureza. Uma continuidade intensiva e expressiva e não uma falsa continuidade na extensão e de um falso corte na representação. É uma qualidade expressiva e não representativa, é intensiva e não extensiva.
A agressividade mais eficaz, a maneira mais potente de destruir o que precisa ser destruído, sem culpabilidade, de modo inclusive afirmativo, é a doçura, e com humor. Isso é uma conquista, é difícil. Uma coisa é essencial para não ser enquadrado pelo poder, é se tornar imperceptível, deixar de chamar atenção sobre você, se pintar com as cores do mundo, ser um homem bem comum. Não é ser humilde. Você pode ser o mais comum, sendo o mais extraordinário. Devir imperceptível. Você sabe que existe uma zona na sociedade que elogia a amabilidade, a doçura, a educação, não alterar o tom, o não se indispor, a não alterar o humor, não ser explosivo, não ser animalesco. Você pode habitar essa zona, mas com outro ponto de vista, com outra motivação, fazendo outro uso disso. O teu amável se torna um habitar um tempo próprio que te constitui e um movimento próprio que engendra movimento, sem atropelar, sem saltar, sem retardar. Isso cria uma suavidade, uma necessidade que se confunde com a falsa necessidade dos amados, dos respeitados, dos justos, dos bons, dos verídicos. É uma zona simulada. Você não finge, é amável de fato, mas de outro ponto de vista. Pode até se mostrar não amável deste ponto de vista. O amável que finge jamais abandona a carapuça, ele é covarde e precisa daquilo, ele se agarra aquilo porque não pode fazer frente a nada. Investe nisso como uma capacidade plástica, estética, você se transfigura, se exprime de várias maneiras, tem dinamismo. Mas o importante é nunca estar naquilo que te fotografa. A fotografia do instante é apenas um instante de uma passagem que é incapturável. Desse ponto de vista, confundir-se com a própria passagem gera um investimento de se mostrar ao máximo, (que é o contrário de se esconder), na passagem e não na figura ou na forma. É algo que se mostra em ser de passagem. Quanto mais se mostra como ser de passagem, mas se torna incapturável e mais se torna indestrutível. O poder não apreende a passagem, não a compreende. Ele só julga a passagem. Ele tem que fragmentar, segmentar, instantanear, encadear, registrar, mapear. Vai decalcando tudo. Se você se torna a pura passagem, ele não te pega. Isso é a potência da vida A vida é totalmente potente para fazer frente a qualquer poder. É impossível que não haja essa potencia em nós. A vida é totalmente perfeita, é uma plenitude. Só que nós, separados da capacidade de acontecer, substituímos isso. Caímos num buraco e procuramos um céu para pendurar lá e ser resgatado desse buraco, já que não temos mais superfície. Por isso dizemos que a vida é imperfeita e triste. Pois toda vez que estamos no buraco, estamos sofrendo. Um sofrimento por falta e não por excesso de vida. Isso faz com que eu identifique a existência à mal, à imperfeição. Há um mal na existência, uma falta, ao desejo falta o objeto.
Imagem pode virar mais que índice, um sinal, uma porta de entrada de um fluxo, como efeito de um movimento. A imagem viva. A imagem como instante, como elemento opaco, que impede acessar ou congela o movimento, deve ser dissolvida. Essa imagem fixa pode também ser imagem de um fluxo e aí é péssimo, pois com a imagem fixa você faz uma imagem não fixa. Por exemplo os sentimentos. De tristeza, de alegria. È a imagem de um fluxo, de um afeto, da variação de uma potência, de um desejo. Enquanto imagem eu não apreendo o próprio afeto. Mas se eu faço dessa imagem a porta de entrada para o afeto enquanto afeto, da força enquanto força, viva essa imagem. A imagem não é má, o signo não é mau, depende do uso que fazemos deles. É tudo uma questão do uso. Não existe nem bem nem mal. Existe um mau jeito e um bom jeito. Como diz Nietzsche, existe o bom e o mau jogador. O mau jogador é aquele que ressente, que é prisoneiro de um estado de corpo, que busca um ideal, que julga, que investe numa falsa verdade, aquele que carrega, que retém para si, que não quer queimar. Bom, mas a chama já está aí! Você pode mudar a maneira de queimar e viva a queimação, vamos queimar. O bom jogador é o que dança, que é veloz, potente, dinâmico. Um leva para força, como generosidade e o outro leva para fraqueza, como mesquinho. Parar o tempo, o tempo como horizonte da morte ou da decadência é um desperdício.
Ética não é aquela que seleciona entre o bem e o mal. É aquela que, em qualquer relação, seja boa, seja má, de saúde ou de doença, há o necessário nela, que pode virar combustível da minha vida. Isso que é a capacidade de transmutar e aí é o segundo momento da experiência. A experiência também me leva para maus encontros, para a doença. Não é experimentar só o que é bom e garantido. Ao contrário, a experiência não dá nenhuma garantia, por isso tenho que me preparar, não com um escudo dos mediadores, mas com a capacidade de olhar o sol de frente, de ver somente, movimentos, tempos e modos imediatos, sem mediadores de representação. Não é fácil, por isso temos medo, nos acovardamos, fugimos, temos medo das próprias forças, se desvia, dá mais atenção ao outro, ama o outro, odeia o outro. Transformar a dor num presente. É difícil também, mas sempre tem jeito. Nem Henry Miler, nem em Nietzsche existe uma acusação sequer contra a vida. E Nietzsche sofreu muito. Esse segundo momento da experiência é transmutar o que te acontece para que você se torne digno do que te acontece em vez de reclamar do que te aconteceu O que eu mereci de imerecido é, na verdade, o que diz Deleuze que transforma as nossas chagas em coisas repugnantes ou que faz do acontecimento chagas repugnantes. Isso é desperdício. A gente não experimenta, de fato, porque a gente tem medo que o acontecimento seja injusto com a gente. Por isso que temos que desenvolver a prudência e o devir imperceptível, que é um aspecto fundamental da prudência. E a preparação, o aprendizado da constituição de si, que nos faz potentes o suficiente para podermos dizer bem vindo à todo acaso e não só a parte boa do acaso, inclusive o pior deles, pois ele é inocente como uma criança.