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Deleuze & Guattari – Mil Platôs Vol.1

Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e… e… e…” Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser.
Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio.

Gilles Deleuze e Félix Guattari

O que é Mil platôs? Como se organiza? Como um tratado de filosofia, após a ruptura, quando o filósofo, o grande nômade, resolveu desertar a filosofia dos códigos, dos territórios e dos Estados, a filosofia do comentário. Mil platôs é um grande livro, porque com ele a filosofia alcança um de seus devires improváveis.
Mil platôs desenvolve uma filosofia verdadeira, quer dizer nova, inaugural, inédita.
Duas grandes filosofias jamais se assemelham; pois elas jamais são da mesma família. A filosofia não se desenvolve seguindo uma linha arborescente de evolução, mas segundo uma lógica dos múltiplos singulares. A questão que Deleuze e Guattari retomam é a seguinte: de que se ocupa, então, a filosofia, se ela só pode se exprimir de uma maneira incomparável? Evidentemente não daquele que poderia ser comum a todas as filosofias: do universal, do verdadeiro, do belo e do bem. Deleuze e Guattari respondem do múltiplo puro sem referência a um qualquer um, da diferença pura, das intensidades que individualizam, das heoceidades. Mil platôs é um evento na ordem da filosofia. E ler Mil platôs é se perguntar: 1980, Mil platôs, o que é que aconteceu?
Mil platôs contém todos os componentes de um tratado clássico de filosofia: uma ontologia, uma física, uma lógica, uma psicologia e uma moral, uma política.
Com a diferença de que não se vai de uma a outra segundo uma lógica de desenvolvimento, do que funda ao fundado, dos princípios às consequências.
Deleuze e Guattari dão mais privilégio ao espaço do que ao tempo, ao mapa do que à árvore. Tudo é coextensivo a tudo. Assim as divisões só podem corresponder a placas, a estrias paralelas, com diferenças de escala, correspondências e articulações dos platôs, datados mas co-presentes.
Deleuze e Guattari concebem a ontologia como geologia: ao invés do ser, a terra, com seus estratos físico-químicos, orgânicos, antropomórficos. Pois de que a terra é feita? Quem fez da terra o que ela é? Quem deu esse corpo à terra? Máquinas, sempre as máquinas. A terra é a grande máquina, a máquina de todas as máquinas.
Mecanosfera. A filosofia de Mil platôs não concebe oposição entre o homem e a natureza, entre a natureza e a indústria, mas simbiose e aliança. A lógica da mecanosfera não conhece a negação nem a privação. Há apenas devires, sempre positivos, e, dentre estes, devires perdidos, bloqueados, mortos. Positividade do esquizo.
Como criar para si um corpo sem órgãos? E o que está em jogo em um devir?
Não há dúvida de que, antes de Mil platôs, nunca se tinha ido tão longe na crítica da representação e da significação, na revelação do que se relaciona a uma representação. Não um significante, mas sempre um ato, uma ação.
Gilles Deleuze e Félix Guattari detestam a interpretação. “Interpretar”, dizem, “é nossa maneira moderna de crer e de ser piedoso”. À interpretação, eles opõem a experimentação. Seu método, esquizoanálise ou pragmática, obedece às regras de um positivismo radical. Não se trata de amor a ciência, mas de produzir fatos. Os dois tomos de Capitalismo e esquizofrenia são uma máquina de produzir fatos e, como tal, inéditos. Sua importância é a de renovar completamente os fatos de que trata a filosofia e que tramam a nossa existência.

François Ewald

Editora 34

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