A máquina social precisa do indivíduo e dos sujeitos. Ela precisa disso, assim como ela precisa das famílias, e precisa da reprodução de suas peças. Ela, que precisa tanto disso, não faz isso sem inocular um limite — que é o seu limite — para dentro de cada um de nós. O limite, que é o seu limite, que antigamente era o limite da lei, que depois passou a ser o limite da norma, deve ultrapassar da lei para a norma, da norma para o próprio desejo. O próprio desejo deve desejar a partir do seu limite. E aí você pode dar até livre curso para o desejo, como Kant queria dar. O desejo se tornaria legislador quando inoculasse o limite dentro dele, quando ele se tornasse normativo, esse ideal da máquina social, para que funcione o seu centro de soberania.
É aderido? Há uma adesão dos seus mecânicos, dos seus arranjadores, dos seus restauradores, psicólogos, psicanalistas, psiquiatras? Esses mecânicos de subjetividades desarranjadas? É para isso que serve a clínica? É para submeter novamente a vida? É para dizer “olha, não há outra forma, vamos levar a vida a se adequar, porque assim você vai sofrer menos. Porque assim você vai ter sucesso. Porque assim você tem mais chances de ser reconhecido socialmente. Você vai ter um futuro e vai poder falar em nome próprio.”? Jamais. Em nome próprio, jamais.
Quando você diz “Eu”, não é a sua singularidade que está falando em você. Quando você diz “Eu”, o Eu nada mais é do que um outro em você. É um outro que fala em você. Como diria Nietzsche, “Quem é o nosso eu?”. Quando dizemos “Eu”, achamos que estamos tocando no nosso íntimo, no íntimo da nossa mais profunda interioridade. E esse Eu não passa de um fragmento de exterioridade, de um pedaço de exterioridade. O nosso Eu é um pedaço de exterioridade. O nosso Eu é um código de linguagem. É um modo de criar, na verdade, uma superfície de passagem.
Transcrição por Gabriel Naldi
Curso de Introdução à Esquizoanálise 2022 (Aula 1 – Pílula 3)