fbpx
Ler outros textos

Todo delírio é social

Não podemos acreditar que os desarranjos mentais, que a doença mental, que as patologias mentais, as patologias do desejo, as patologias do corpo tenham a ver com questões individuais, ou tenham a ver com questões pessoais, ou tenham a ver com questões familiares. O indivíduo, a pessoa, a família já são efeitos, são respostas, são operadores de uma máquina social. Nenhum indivíduo, nenhuma pessoa carrega o ônus de um delírio individual ou de um delírio subjetivo, porque nenhum delírio é pessoal ou individual. Todo delírio, necessariamente, já é imediatamente social. Não há desejo que não invista imediatamente — por mais chafurdado, atolado e ensimesmado — em uma interioridade familiar. Mesmo essa família atolada, fechada, ensimesmada é, na verdade, um modo de se acoplar ao campo social.
Tudo é resposta para um campo social. Nenhum desejo deseja inicialmente de modo a investir uma figura parental como pai, mãe, filho, irmão, irmã, avô, avó etc. O desejo investe em meios de se conectar, de se acoplar e de acontecer. É disso que se trata. E ele jamais se fecha, por mais que tentem fechá-lo nos papéis parentais. E, nesse sentido, há uma diferença radical entre a Esquizoanálise e a Psicanálise. Há uma diferença radical entre a Esquizoanálise e as psicologias e psiquiatrias dominantes. Há uma diferença radical das psiquiatrias que visam controlar, medicalizar, inocular camisas de força químicas no desejo quando, na verdade, não sabem nem o que é viver. Não dão conta da vida, não têm visão sobre o que é viver, e prescrevem, de modo leviano — ou desesperado, talvez, porque não dariam conta de uma suposta loucura, de um suposto desarranjo social —, medicamentos, elementos que vão inibir o desejo no cérebro. Afinal, não cabe tanto desejo nessa nossa sociedade. Não cabe tanto desejo em um corpo que quer acontecer, mas não há espaço para ele, não há tempo para ele, não há condições para ele.
Não sabemos o que fazer com tanto desejo, então a própria sociedade investe em inibi-lo. Há, como diriam Deleuze e Guattari no Anti-Édipo, uma máquina de antiprodução, uma máquina de esvaziamento das intensidades. O desejo intensivo não é bem-visto, não é bem-quisto. Como diria o inominável, em relação ao jornalista britânico recentemente assassinado, “ele não era bem-quisto”.
O que não é bem-quisto para esses vermes (com o perdão dos vermes)? O que não é bem-quisto? Não é bem-quista a vida em estado pulsante. A vida intensiva incomoda sempre aqueles que estão separados do que podem, aqueles que se tornaram impotentes, e aqueles que vivem, sobretudo, dos impotentes e das paixões tristes.

Transcrição por Gabriel Naldi

Curso de Introdução à Esquizoanálise 2022 (Aula 1 – Pílula 2)

© Escola Nômade de Filosofia