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Não é a dor que o ser humano não suporta, mas a ausência de sentido

A ausência de sentido é intolerável para todo aquele que sofre.

Não é concebível sofrer por nada, para nada, em vão!

Deve haver alguma razão, mesmo que para isso se tenha que forjar um sentido triste e baixo da dor, mesmo que tenha que se forjar um mal que venha de um ser-mal.

Um mal que só pode advir de um inimigo que, por isso, só pode ser visto como um inimigo negador, mortal, que contradiz o ser, um mal portanto que deve ser negado, destruído ou afastado.

Por isso, na impossibilidade de pensar as causas reais e diferenciais quando se está sofrendo um processo de enfraquecimento, decadência ou impotência diante de algum curso implacável do tempo e dos movimentos que atingem o corpo, na impossibilidade de pensar realmente além da imaginação e se libertar das miopias passionais e criar novas perspectivas de vida, todo o esforço de sobrevida desse impotente volta-se para, no máximo, imaginar uma causa maligna desse sofrimento, fracasso e impotência, pronto a desejar aniquilar o outro, ao projetá-la e atribuí-la a esse outro fictício, gestado e parido pelo mau uso dessa dor, pesadelo de um mau sofredor, porque usa mal o mau que lhe acontece.
Eis aí a fonte dos inimigos imaginários.

Na impossibilidade de encontrar as forças e causas reais daquilo que nos diminui e aprisiona, busca-se a qualquer custo um sentido da dor que nos coage, uma interpretação delirante da causa do sofrimento que nos atormenta, pouco importa se às custas de uma deformação daquilo que é uma força inocente, de uma mutilação de um modo de vida integral, de um esmagamento e redução de uma perspectiva temporal mais alegre e afirmadora, de uma violação acovardada de uma realidade em crescimento evolutivo e criador, na busca frustrada que, na impotência de afirmar a necessidade da intensidade da força, sua causa real, mais nobre e alegre, desespera e se apressa em apontar sua falta de sentido de bem, seu sentido do mal, sua má conduta, seu sentido corruptor, pervertor do ser reativo, essa causa fictícia de não-ser daquilo que não soube e não pode agir nem extrair combustível de criação de tudo o que acontece de bom ou de mau, este combustível da força ativa que fabrica a diferença.

E assim passivamente, da baixeza desse modo flácido de ser, transfere-se responsabilidade, culpabiliza-se, atribui-se a falta de presença ativa à outrem.
Mas porque nossos sofrimentos e fracassos se originariam na imagem que teima em fazer de nossa dor a culpa de alguém, identificando e enquadrando pessoas, grupos, coletivos, raças, nações, populações e movimentos advindos do mal?
Todo ser tornado impotente que assim procede também torna-se nesse ato um covarde que foge do que só a ele cabe, cúmplice de um abandono de si que só poderá ser combatido afirmativamente com a generosidade das vidas exuberantes e sua implacável crueldade amorosa que, só elas, podem se alegrar de sua maldade inocente e redentora.

© Escola Nômade de Filosofia