O que pode comandar afinal a vida humana? Em que sentido podemos exercer efetivamente a liberdade de nossa vontade, no contexto do capitalismo mundial integrado? Quem, no contexto do nosso presente, em nós ou fora de nós, decide em última instância nosso destino e o de nossas sociedades? A dimensão virtual de nossa vida escapa à consciência normal que temos dela. E quando não, nos vemos tão incapazes de nos servir dessa duração pura que a desprezamos como inútil e sobretudo inconveniente. No entanto, essa realidade abstrata e paralela não só não para de nos transpassar, como constitui a parte essencial de nossas vidas e das sociedades, e tanto nos provoca e condiciona, submete e assujeita, quanto mais nossos modos míopes de existir a negligenciam.
Tecerei algumas considerações acerca de uma tendência dominante em nossas sociedades, que condiciona as práticas contemporâneas de justiça e seus dispositivos de julgamento, controle e gestão sobre a vida, já manifesta e pressuposta em seus modos de desejos, pensamentos e crenças. E então procurarei desdobrar algo do que pode se processar em nós segundo a natureza e o investimento dessa tendência. Paralelamente tentarei extrair algumas virtualidades daquilo que em nós pode dar sustentabilidade a uma outra postura – com outros valores, outra maneira de desejar, de pensar, de sentir.
Transcrição da palestra proferida por Luiz Fuganti no 1º CULPSI – Cultura & Psicologia, evento realizado pelos estudantes de psicologia da Faculdade de Tecnologia e Ciências (campus de Vitória da Conquista, Bahia) entre os dias 02 e 04 de maio de 2007
Vou esboçar algumas questões relativas ao biopoder e à saúde e, nos limites desse breve discurso, considerar alguns aspectos acerca do controle sobre a vida e do sentido daquilo que comumente se denomina cuidado. Em seguida, qual a relação desses aspectos do controle e do cuidado com as práticas de medicalização que constituem, me parece, uma nova demanda por um certo valor de saúde. Porém, não um valor de saúde que se produz a partir de um tipo ativo de vida, mas aquela saúde que se demanda e acontece como investimento de desejo de um tipo de vida separada de suas capacidades de criar as próprias condições do existir.
Ao primeiro sinal da palavra ética o que salta à atenção comum do cidadão é um chamado para que ele, ao ponderar seu sentido mais frequente e ordinário, procure ascender a uma postura de vida e de comportamento que por princípio o colocaria no caminho do Bem, seja de natureza espiritual, seja um Bem para a humanidade ou, simplesmente, uma disposição por parte daquele que é qualificado com atributos ditos éticos, a assumir um comportamento que tenderia para o tão propalado bem comum da sociedade em que vive.
Então eu dizia que nós vivemos geralmente de modo separado do que podemos, nós não sabemos muito bem mais o que é vivermos colados à capacidade de existir na sua abertura máxima ou, no mínimo, na sua abertura que faz a nossa potência crescer. Esse horizonte é cada vez mais ofuscado. Eu diria mais: que há uma instituição humana que investe cada vez mais na separação da vida do que ela pode; e falsifica o que é viver, assim como falsifica o que é pensar. E não se sabe mais da vida a não ser fora do imediato, a não ser fora do acontecimento, não se sabe mais da vida ativa, afirmativa, intensiva.