Deleuze e Guattari, por exemplo, no início do Mil Platôs, vão falar sobre rizoma e cartografia. E eles vão estabelecer que a realidade funciona de modo rizomático, e não de modo arborescente. Eles fazem a contraposição entre o modelo da árvore e o modelo do rizoma. O modelo do pensamento ocidental é um modelo arborescente, sedentário, que tem raízes fixas, que precisa de um caule,de galhos, de folhas e de frutos. É o sistema do bom-senso e do senso comum. Já o sistema rizomático é um sistema que não tem finalidade e nem mesmo a profundidade fixa de uma raiz, mas que acontece pelo meio, como meio extremo. E, ao acontecer, se diferencia, retorna sobre si e se diferencia, criando labirintos de potência. Uma rede de diferenciações em cada encontro, em cada ato. Esse modo rizomático de acontecer opera, portanto, quebrando as ilusões de origem e de finalidade. E esse é o modo como o real opera, como o real funciona.
O modo rizomático é expresso no início do Mil Platôs e, de alguma maneira, já o encontramos na obra de Spinoza, a partir do que Spinoza denomina como plano comum dos encontros. Há, então, um plano comum dos encontros onde as potências se conectam e se compõem. No rizo
ma de Deleuze e Guattari há o princípio da conexão e da heterogeneidade, por exemplo, os dois primeiros aspectos que eles destacam. Toda realidade se relaciona diretamente com outra realidade, sem precisar passar por uma autorização, por uma mediação, por uma hierarquia. Por exemplo, o vegetal não se relaciona apenas com o vegetal, o animal não se relaciona apenas com o animal. Você pode estabelecer uma relação direta e imediata entre dois reinos. Por exemplo, a abelha e a orquídea, ou o trevo vermelho e o zangão. Enfim, há sempre uma relação direta entre elementos que, na representação humana, pertencem a ordens diferentes. Vegetal com animal, como podem se relacionar imediatamente, em conexão direta? Mas eles podem. Eles se relacionam, e algo de real se produz de um lado, na abelha, na vespa macho, e na orquídea, por exemplo, ou no zangão e no trevo vermelho. Há, de um lado, a produção de uma realidade e, de outro lado, também a produção de uma realidade, que ao mesmo tempo depende do encontro de ambos. É uma conexão imediata, direta, sem passar por uma mediação que permitiria essa relação. Essa relação não pede licença, ela aconte
ce. Na química orgânica, nas moléculas que dão origem à vida, acontece a mesma coisa. A relação com as proteínas ultrapassa a relação do DNA de reprodução.
São temas complexos que podemos aprofundar em uma outra ocasião, em uma outra condição. Mas o que o precisamos observar aqui, afirmar e destacar é que há, por exemplo, a conexão imediata de elementos que são heterogêneos entre si. É o princípio da conexão transversal, que não implica uma verticalidade, nem mesmo uma mera horizontalidade, mas uma transversalidade. Uma relação direta de uma potência com outra potência, potências heterogêneas que se conectam a partir de realidades diferenciais. E, ao mesmo tempo, podem também operar cortes que não precisam de representação, não são cortes significantes, mas são cortes que operam a partir da necessidade de uma variação intensiva e contínua de cada potência em ato.
O inconsciente opera aí. O inconsciente é maquínico, e não representativo. O inconsciente funciona, ele não precisa de um princípio interpretativo, nem de uma verdade ou ideal, nem de um complexo ao qual deveria se submeter a partir de uma normalização, sem a qual a realidade seria contra a civilização. Ele não precisa de nada disso. Ele se conecta imediatamente e algo se passa, algo se produz aí, enquanto produção de realidade, e não meramente produção de fantasmas.
Transcrição Gabriel Naldi
Curso de Introdução à Esquizoanálise 2022 (Aula 2 – Pílula 4)