Monod, em uma obra chamada O acaso e a necessidade, vai dizer exatamente que a dimensão molecular do vivo acontece no ultrapassamento da fronteira funcional, ou função e formação. O vivo se forma da mesma maneira como ele funciona, então o inconsciente opera justamente nessa dimensão. Ele funciona no mesmo nível em que ele se forma, então não há mais dicotomia entre formação e funcionalidade. O funcionamento do vivo se dá no mesmo nível, segundo a mesma natureza da sua formação, das suas dobras, da criação de um dentro. Então, é desse inconsciente que estamos falando. O inconsciente molecular que maquina através de fluxos e cortes. Ele é fluxo, assim como na física quântica, por exemplo, você tem uma realidade feita de partículas e ondas. A partícula como a extração de um fluxo, um corte, mas que também pode emitir ondas ou fluxos. Fluxos e cortes. Partículas e ondas. O desejo é da mesma natureza. É de uma natureza física. Não há diferença entre a natureza física e a natureza do inconsciente.
O desejo tem, necessariamente, também a dimensão física. Não é como metáfora que a Esquizoanálise fala de inconsciente maquínico. O inconsciente maquínico está nesse mesmo nível, nesse mesmo sentido que Spinoza denomina a sua substância, que é uma potência absoluta de acontecer que opera por diferenciação de si mesma, por produção de modalidades existenciais ou por graus de potência que, ao se atualizarem, se misturam em um plano comum de composição e se diferenciam, produzem realidade, fabricam o real.
Spinoza diz uma coisa muito interessante: que é preciso distinguir a natureza naturada da natureza naturante. Mas, ao mesmo tempo, a natureza naturada é inseparável da natureza naturante, e a natureza naturante é inseparável da natureza naturada. Se distinguem, se diferenciam, mas não se separam. Não há natureza naturante, como essa potência absoluta, que não produz a si mesma e tudo o que dela deriva. Como, por exemplo, a natureza naturada, que é derivada da natureza naturante. E não há natureza naturada que não efetue a diferenciação da própria natureza naturante. Portanto, uma está na outra, está dentro da outra. Uma realidade é imanente à outra. Isso, em Spinoza, é a própria fábrica do real. É desse tipo de realidade que nós estamos falando. É desse tipo de inconsciente.
Quando a Esquizoanálise fala de inconsciente, ela está falando de um inconsciente que envolve multiplicidades, que envolve uma potência absoluta de se diferenciar, de se multiplicar, de gerar o diverso e o diferente. E jamais atrelar essas diferenças a um princípio, a uma identidade, a uma substância subjetiva, a uma substância que estaria fundada em um inconsciente, como uma realidade simplesmente caótica, sem forma, que seria contracivilizatória. Jamais. É de outra natureza.
Transcrição por Gabriel Naldi
Curso de Introdução à Esquizoanálise 2022 (Aula 2 – Pílula 5)