Não é fácil ser realmente livre, principalmente quando apenas imaginamos a liberdade.
Tomados por paixões tristes e separados de nossa potência de agir livremente, precisamos mais do que tudo imaginar com as forças que nos restam, justo quando mais nos faz falta o pensamento, os meios de nos libertar.
Mas é num momento infeliz como esse que carecemos sobretudo de inteireza de propósito. É que na tristeza perdemos a potência de retomada de nossa potência plena de acontecer. Existimos pela metade. E recaímos no atoleiro de nossas indigestões, das vivências que não conseguimos digerir.
Nossa presença e nosso presente estão mutilados. Agimos como aleijados nos servindo de muletas. Carecendo de realidade buscamos compensação na vontade de apropriação daquilo que somos incapazes de criar. E ao imaginarmos que pensamos quando não temos mais do quê duvidar, erramos fatalmente por não ver nem encontrar a presença das forças em processo que são as fontes da certeza real!
Nos sentimos no direito de extrair vantagens sobre tudo o que somos impotentes para realizar e criar. Direitos e deveres tornam-se a razão desse mundo de misérias. Porque sentindo-nos vítimas passivas de todos aqueles que se antecipam e fazem a diferença, reivindicamos justiça, a compensação pelo atraso que supostamente aqueles atrevidos nos causam!
Sem poder agir com liberdade criadora a partir da força plena que impulsiona nossa vida e da qual nos separamos pelo mau uso que fazemos do mau e do bem que nos acontecem, as condições de uma existência livre e sadia fogem de nós e desaparecem no abismo que cada tentativa de reparação ressentida escava sob nossos pés.
Estamos coagidos por alguma força que nos obriga e nos sabota, e da qual só nos libertamos na aparência, sob barganhas: só te darei poder se me entregares tua autonomia, o controle do teu humor e energia, a gestão de tua vida.
Falta-nos a presença.
Mas qual presença se insinua para sabotar o presente e roubar o futuro?
Não somos inteiros ao querer. Desejamos pela metade.
Quando imaginamos o que é estar presente, estando diminuídos em nossa potência de existir, ficamos obcecados em persistir no embate, em lutar até obter, à força de alguma violência ou esperteza, aquilo que aplacaria o desejo cativo, ferido e carente.
É uma falsa presença aquela que se confunde com a do estado de impossibilidade do nosso desejo rígido e fixado, ocupado em se apoderar do que jamais deixa de escapar.
Qual qualidade de presença seria necessário reencontrar imediatamente na relação consigo? Não seria justamente a presença da plena força que nos faz agir e criar ? Não seria o reencontro com essa força em nós a presença que buscamos? Todo o contrário de um estado fixo de nós mesmos, que faria desaparecer a falta como a noite com a luz? E todos os maus sentimentos que acometem quem perde o tempo do acontecimento? Não seria esse modo de desejar todo o contrário da vontade de captura de vantagens e de controle do desejo?